Crime eleitoral: Pantoja determina cassação da prefeita de Macururé
Por Denise Cordeiro
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Depois
de um mês de investigação em virtude a ação impetrada pela coligação,
“Unidos para o Progresso”, sob o argumento de prática de atos de abuso
de poder político e econômico, bem como captação ilícita de sufrágio
pelos Representados, visando lograr êxito em campanha eleitoral, o juiz
eleitoral da cidade de Macururé, Dr. Cládio Santos Pantoja Sobrinho,
cassou os mandatos da prefeita e vice da cidade, Silma Eliane Adriano do
Nascimento Carvalho e Renato Soares de Moura.
Em sua sentença, o
Juiz, Dr. Cládio Pantoja, escreveu que: “Alega a coligação Representante
que a primeira Representada procurou a eleitora Iza Alves da Conceição,
em sua residência, na data de 05 de agosto de 2012, oferecendo-lhe
enxoval e um emprego na Prefeitura em troca de voto, informando, também,
que o seu nome já estava na folha de funcionários temporários da
Prefeitura.
Segue aduzindo que este
não foi o primeiro contato da Denunciada com a eleitora, uma vez que
esta já havia sido procurada por telefone, no final do mês de julho, por
uma assistente da Investigada de prenome Tatiana, e, após, pela
Secretária de Educação Senhora Otacília.
Assevera também a
coligação Representante que, conforme declaração de próprio punho da
eleitora de fls. 16 a 17, a Denunciada pediu o voto da eleitora em
questão e o de sua família, alegando que somente com ela (Investigada)
no poder municipal conseguiria realizar os seus sonhos e que ela
(eleitora) deveria pensar no futuro de seus filhos.
Informa, ainda, que, no
dia 11 de agosto de 2012, a eleitora Iza recebeu nova ligação do Senhor
Amauri comunicando a realização de um depósito na sua conta,
sustentando a coligação a Denunciante a caracterização de desvio de
recursos públicos para a captação de votos, bem como improbidade
administrativa e o abuso de poder político e econômico.
Afirma a coligação
representante que após esse contato telefônico, a eleitora teria
dirigido-se ao caixa eletrônico onde verificou um depósito em sua conta
corrente no valor de R$ 411,75 (quatrocentos e onze reais e setenta e
cinco centavos) realizado pela Prefeitura Municipal de Macururé e que a
eleitora confirmou, também, que seu nome constava na lista de
contratados sem qualquer descrição de cargo ou função”.
Prossegue a
representação asseverando que a eleitora informou categoricamente não
ter assinado contrato com a Prefeitura Municipal de Macururé e que não
trabalha na Prefeitura desde 2010.
A parte Autora junta
aos autos, com o desiderato de comprovar suas alegações, vários
documentos dentre os quais destacam-se: extrato da conta pessoal da
eleitora às fls. 18, bem como lista dos servidores municipais da
Prefeitura de Macururé, referente ao período de junho/2012, de fls. 77 a
90, onde às fls. 82 consta o nome da eleitora entre os seus
funcionários.
Por tudo exposto,
requereu a Representante, como pedido principal, a cassação dos
registros de candidatura ou dos diplomas dos Investigados, bem como
multa no valor legal prevista nos §§ 4º e 5º do art. 73 da LC nº
9.504/97.
Requereu, também, a
condenação dos investigados a ressarcir o erário municipal pela prática
de improbidade administrativa, nos termos do § 7º do art. 73 da LC nº
9.504/97.
Devidamente notificados
nos termos da Lei Complementar nº 64/90 (fls. 94 e verso; 96 e verso),
os Investigados apresentaram, individualmente e tempestivamente, as suas
contestações de fls. 99/106 e 110/113.
A primeira Investigada
Silma Eliane Adriano do Nascimento Carvalho, em sua defesa, contesta os
fatos narrados na exordial, alegando que, de fato, a eleitora Iza foi
efetivamente procurada em junho de 2012 pela Secretária de Educação para
suprir lacuna naquela secretaria, uma vez que a mesma já havia prestado
serviços na Prefeitura até dezembro de 2010.
Segue aduzindo em sua
peça de bloqueio que a contratação só não foi realizada em razão do
adiantado estado de gravidez da eleitora e que, por um lapso do
departamento de pessoal, o nome da eleitora foi indevidamente incluído
na folha de pagamento de junho/2012 e o salário foi pago em agosto/
2012.
Informa ainda a
primeira Investigada que, detectada a falha, o controle interno iniciou o
procedimento administrativo para sanar a irregularidade e apontar os
responsáveis, asseverando que este fato não tem relação com qualquer
ilícito eleitoral e que a visita da candidata à residência da mãe da
eleitora foi realizada como ato legítimo de campanha, quando a candidata
pediu votos, informando os seus planos de governo e tentando
licitamente convencê-los a votar nela, como fez em toda a vizinhança.
Alega também a
Investigada que não houve qualquer condicionamento do voto a cargo
público ou mesmo a enxoval, nem qualquer proposta dessa natureza e que o
diálogo relatado na inicial é mero ato regular de campanha. Aduz que a
coligação Autora pretende aproveitar mero erro ocorrido na Prefeitura
para distorcer os fatos e imputar falsamente ilícito inexistente.
Argumenta ainda a
Investigada que o fato não pode ser caracterizado como captação ilícita
de sufrágio, uma vez que o art. 41-A da Lei 9.504/1997 determina que o
fato somente afigura-se como típico quando ocorrido a partir do registro
da candidatura até o dia da eleição, e tendo o mesmo ocorrido em junho
não está enquadrado na hipótese legal.
Ratifica a Representada a ausência de dolo na sua conduta ao realizar visita com o fim de angariar votos para sua campanha, na
medida em que a própria eleitora informa que a Investigada teria afirmado que a ajudaria independentemente do voto.
Requereu, ao final, a
impugnação da declaração feita de próprio punho pela eleitora, como
também das folhas de pagamento juntadas aos autos, pleiteando a
improcedência da ação.
O segundo Investigado
Renato Soares de Moura, por sua vez e em sua peça de defesa, reitera os
termos apresentados pela primeira Investigada, alegando: a ocorrência de
mero equívoco na inclusão da eleitora na folha de pagamento da
Prefeitura, a abertura de procedimento administrativo para apuração dos
fatos ocorridos, o ato lícito de captação de votos para campanha
eleitoral, a ausência de dolo e a inexistência de fato típico,
requerendo, ao final, a improcedência da ação.
Ressalte-se que ambas as peças de defesa apresentam rol de testemunhas, mas não juntam aos autos qualquer tipo de documento.
Foi realizada audiência
de instrução e julgamento com oitiva de testemunhas às fls. 148/157. A
audiência foi suspensa em razão da grande quantidade de testemunhas
ainda a serem ouvidas, tendo continuado às fls. 163/176.
Conforme requerido em
mesa de audiência e deferido pelo MM Juízo, foi expedido Ofício nº
195/2012 pelo Cartório Eleitoral para cumprimento das diligências
solicitadas, sendo juntado pela Prefeitura de Macururé o Processo
Administrativo Disciplinar de nº 001/2012 de fls. 261/288, documento de
arrecadação municipal no valor de R$ 411,75 (quatrocentos e onze reais e
setenta e cinco centavos) de fls. 289, Relatório de Folha Analítica
referente ao mês de junho/2012 de fls. 290/337, Ofício nº 54/2012
expedido pela Coordenadora Geral do Programa Pró-letramento/Bahia da
UNEB de fls. 338/339, Declaração do Diretor de Departamento de
Contabilidade da Prefeitura de Macururé de fls. 340 e Nota de Empenho de
fls. 341.
Foram apresentadas
Alegações Finais na forma de Memoriais pela Coligação Autora às fls.
346/376 e pelas partes Rés às fls. 412/424 e às fls. 426/441.
Após, com vistas dos
autos, a ilustre representante do Ministério Público Eleitoral emitiu
parecer opinando pela procedência da ação às fls. 445/448.
Vieram-me os autos para julgamento.
É o relatório. Passo a decidir.
Deve-se analisar o
pedido à luz da legislação eleitoral aplicada ao caso, em especial a Lei
Complementar nº 64/90 e a Lei n.º 9.504/1997.
Trata-se de Ação de
Investigação Judicial Eleitoral visando o reconhecimento da prática de
captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder político e econômico,
praticados, em tese, pelos Investigados, com a aplicação das cominações
legais (cassação de registro ou perda do diploma e aplicação de multa).
Inicialmente, cumpre
salientar a normalização processual. O feito foi regularmente instruído,
estando isento de vícios ou nulidades, sem falhas a sanar, sendo,
ainda, observados, dentre outros, os princípios constitucionais da ampla
defesa e do contraditório.
Em sendo assim e não havendo preliminares, passo ao mérito.
O ponto chave da
presente causa cinge-se em saber se os Investigados praticaram a conduta
caracterizadora da captação ilícita de sufrágio e de abuso de poder
político e econômico.
Pois bem.
Preceitua o art. 41-A da Lei 9.504/97:
oferecer, prometer, ou
entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o Art. 41-A. Ressalvado o
disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio,
vedada por esta Lei, o candidato doar, voto, bem ou vantagem pessoal de
qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro
da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de
mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64,
de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999).
A captação ilícita de
sufrágio denota a ocorrência de ato ilícito eleitoral, impondo-se a
responsabilização dos agentes e beneficiários do evento. Essa conduta
estará configurada sempre que ao eleitor for oferecido, prometido ou
entregue bem ou vantagem com o intuito de captar voto para campanha
eleitoral.
Para o enquadramento
dessa categoria legal requer-se então: a realização de uma das condutas
típicas, a saber: doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem
pessoal a eleitor; fim
especial de agir, consistente na obtenção do voto do eleitor; e a ocorrência do fato durante o período eleitoral.
No presente caso, após a
análise do conjunto probatório dos autos, constata-se a presença dos
três fundamentos para a configuração da conduta ora analisada.
O primeiro fundamento
que restou configurado nos autos é a doação, oferta, promessa ou entrega
de bem ou vantagem pessoal a eleitor.
É fato incontroverso
que a então candidata à reeleição Silma Eliane Adriano do Nascimento
Carvalho realizou visita à família da eleitora Iza Alves da Conceição no
início do mês de agosto de 2012 com o intuito de obter votos para a sua
candidatura. A eleitora, em sua declaração acostada ao processo e no
depoimento prestado em audiência, especifica a visita realizada pela
Investigada, sendo que esta em sua defesa não refuta a realização da
visita, nem a data da sua concretização, rebatendo, apenas, o teor da
conversa. Ademais, confirmando o fato existem ainda os depoimentos das
testemunhas ouvidas às fls. 155/156 e 170/171.
Outro fato comprovado
nos autos é que, após poucos dias da visita realizada pela primeira
Investigada, especificamente no dia 13 de agosto de 2012, foi efetuado
depósito na conta pessoal da eleitora no valor de R$ 411,75
(quatrocentos e onze reais e setenta e cinco centavos) pela Prefeitura
Municipal de Macururé, conforme documento de fls. 18, coincidência esta
que causa estranheza e corrobora a versão sustentada pela eleitora Iza,
tanto na declaração firmada pelo próprio punho, quanto no depoimento
prestado em juízo, sob compromisso.
Com efeito, em sua
declaração, afirma a eleitora que foi assediada pela primeira
Investigada a mudar o seu voto, já declarado para o candidato da
oposição, pois deveria pensar nos seus sonhos e no futuro de seus
filhos, já que com a primeira Investigada no poder poderia realizá-los.
Para corroborar as suas promessas, a primeira Denunciada teria informado
sobre a inclusão do nome da eleitora na folha de pagamento da
Prefeitura Municipal de Macururé no mês de junho/2012.
A primeira Denunciada
alega, em contrapartida e conforme já mencionado alhures, que a visita
foi realizada no intuito de angariar votos licitamente para a sua
campanha à reeleição, tendo o depósito sido efetuado por erro de
funcionário da Prefeitura, não tendo nenhuma relação com a campanha
eleitoral.
E mais, em suas teses
de defesa, para justificar o depósito, os Demandados sustentam que a
eleitora foi inserida na folha de pagamento da Prefeitura em junho de
2012, para atender o Programa Pró-letramento da Secretaria de Educação,
todavia houve “falha” na contratação, pois a mesma não poderia ter sido
efetivada pelo estado adiantado de gravidez da profissional.
Sucede que observa-se
neste caderno processual que mesmo após essa constatação, novas “falhas”
da Secretária de Educação e do Diretor de Administração teriam ensejado
o pagamento de salário no mês de agosto de 2012.
Em que pese o esforço
perpetrado pelos Defendentes, através de seus brilhantes causídicos, as
suas alegações não possuem o condão de desconfigurar a compra de voto,
na medida em que, mesmo que inicialmente tenha havido falha na inclusão
da eleitora na folha de pagamento do mês de junho/2012, a tese e os
documentos apresentados não conseguem justificar o depósito efetuado na
conta corrente da profissional dias após a visita da candidata à
reeleição à sua residência, precisamente no dia 13 mês do mês de agosto
de 2012.
A meu ver, há fortes
indícios a indicar que a documentação juntada pelos Investigados para
justificar o depósito na conta corrente de eleitora Iza foram
confeccionadas para esse fim, não possuindo veracidade suficiente para
corroborar com a tese de defesa. Se não, vejamos:
Primeiramente, a
eleitora Iza Alves da Conceição foi inserida na folha de pagamento da
Prefeitura sem ter sido realizada efetivamente a sua contratação, já que
não houve a entrega de documentos nem a assinatura de contrato, tendo
sido os seus dados obtidos nos registros do ente público, já que a
eleitora havia trabalhado na Prefeitura até o mês de dezembro do ano de
2010, quando foi exonerada por ausência de formação em curso superior.
Verifica-se, em um
segundo momento, que o suposto equívoco teria sido constatado pela
Secretária de Educação do Município ainda no mês de junho/2012 e pelo
Diretor de Administração da Prefeitura no mês de julho de 2012, todavia
nada teria sido feito para evitar o depósito na conta corrente da
eleitora no mês de agosto!
O Diretor de
Administração alega que procedeu ao cancelamento do nome da eleitora da
folha de pagamento do mês de julho/2012, conforme depoimento de fls.
167/169, mas que, quanto ao mês de junho/2012, procedeu a uma simples
suspensão, fato este que teria ocasionado o pagamento.
Ora, tal justificativa
não convence, uma vez que a partir do momento em que se verifica a
existência de falha na contratação de profissional que foi incluso em
folha de pagamento sem a realização de entrevista, coleta de documentos
ou quiçá a realização de contrato, em virtude de adiantado estado de
gravidez, espera-se que o seu nome seja imediatamente cancelado da folha
para evitar pagamentos indevidos. Principalmente, quando já constatada a
ausência de prestação dos serviços pelo profissional.
Dessa forma, causa
estranheza o suposto procedimento adotado pelo funcionário da Prefeitura
Municipal de Macururé, no cargo há quase 04 (quatro) anos, ao retirar a
eleitora da folha de pagamento no mês de julho/2012 e não retirá-la no
mês de junho/2012, uma vez que, conforme depoimentos extraídos dos
autos, desde o início do mês de junho/2012 já seria de conhecimento da
Secretaria de Educação que a eleitora não poderia exercer nenhuma função
laborativa em razão do seu avançado estado gravídico.
Assim, não há
justificativa plausível para a não retirada da eleitora da folha de
pagamento no mês de junho/2012, uma vez que os funcionários da
Prefeitura responsáveis pela contratação e inclusão de empregados em
folha de pagamento, quais sejam, a Secretaria de Educação e o
responsável pela elaboração da folha de pagamento, confirmam em seus
depoimentos que sabiam que a eleitora não estava realizando nenhum
serviço para a Prefeitura Municipal de Macururé.
Outrossim, é importante
mencionar que a folha de pagamento do mês de junho/2012, juntada aos
autos pela parte Autora (fls. 77/90), extraída através do sistema TCMBA
no dia 01/09/2012 e a folha de pagamento juntada pela parte Denunciada
(fls. 290/337), extraída no dia 06/07/2012, possuem divergência em
relação aos funcionários contratados pela Prefeitura para suprir o
Programa Pró-letramento.
E mais, para comprovar a
necessidade de contratação de profissionais para suprir o referido
programa da Secretaria Municipal de Educação, os Denunciados juntam aos
autos relação de fls. 264, com a indicação dos funcionários que foram
contratados em caráter de emergência pelo Município. Todavia, na própria
folha de pagamento juntada pelos Denunciados com a data de 06/07/2012
referente ao mês de junho/2012, apenas consta o nome de três das pessoas
indicadas naquela relação de fls. 264!
Já na folha de
pagamento apresentada pela Denunciante, referente ao mês de junho/2012,
extraída no dia 01/09/2012, as pessoas indicadas pela Secretaria de
Educação na relação de fls. 264 estão relacionadas como Trabalhadores
Temporários.
Vale ressaltar que o
Diretor de Administração, responsável pela folha de pagamento, informa
nos autos do Processo Administrativo Disciplinar, em petição datada de
16 de agosto de 2012, de fls. 266, que todos aqueles profissionais
indicados na relação de fls. 264 foram efetivamente contratados pela
Prefeitura.
Desta forma, como é
sabido que contratações temporárias não podem ser realizadas pelos entes
públicos a partir do período eleitoral, que se iniciou no mês de julho
de 2012, todos aqueles profissionais relacionados junto com a Senhora
Iza Alves da Conceição deveriam estar normalmente inclusos na folha de
junho/2012 apresentada pela própria Prefeitura, causando estranheza que
apenas os nomes da eleitora em comento e de dois outros profissionais
apareçam no documento datado de 06/07/2012.
Pelo dito, as provas
juntadas aos autos revelam que a inclusão da Sra. Iza Alves da Conceição
na folha de pagamento dos funcionários da Prefeitura de Macururé do mês
de junho de 2012 foi efetivamente realizada com o intuito de justificar
o depósito feito na conta corrente da eleitora, após a visita realizada
pela primeira Investigada.
Corroborando este
entendimento, existem as falhas encontradas em processo administrativo
disciplinar de fls. 261/288, juntado aos autos já na fase de diligências
pela Prefeitura Municipal de Macururé, instaurado supostamente para
apurar as supostas falhas cometidas quando da contratação da eleitora
Iza Alves da Conceição.
De fato, no que diz respeito a este Processo Administrativo Disciplinar há algumas considerações a serem feitas:
Inicialmente, em que
pese os Denunciados já em suas defesas mencionarem a existência de
procedimento administrativo iniciado pelo Controle Interno para reaver o
valor indevidamente transferido e responsabilizar o funcionário pela
falha, curiosamente não juntam
aos autos qualquer documento para comprovar o alegado nesta fase processual.
Já quando da juntada
aos autos do referido processo de nº 001/2012 na fase de diligências,
constatou-se a existência de inúmeras falhas capazes de macular a sua
veracidade.
São elas: há
notificações sem a devida assinatura, não há numeração de folhas, não há
protocolos de recebimentos de documentos, não há a observância de
requisitos essenciais para a regularidade do procedimento como a
necessária publicidade dos seus atos, levando-se à conclusão de que o
mesmo foi fabricado para justificar a suposta falha de inclusão na folha
de pagamento da eleitora Iza Alves da Conceição e o consequente
depósito tardio de quantia sem a prestação laborativa.
Deveras, robustecendo
este entendimento, segue trecho do judicioso parecer da Ilustre
Representante do Ministério Público Eleitoral:
“O processo
administrativo para suposta punição ao servidor que afirmou ter cometido
erro de determinar o pagamento indevido é prova produzida
unilateralmente e não tem o condão de desconstituir os demais fatos
provados e alegados. Isso porque não tem qualquer publicação e não há
qualquer formalização, ao contrário, foi produzido para demonstrar que
houve medidas por parte da prefeitura. Não é capaz de desconstituir o
fato dela ter recebido valor sem ter prestado serviço. É certo que
alguma justificativa teria que ser apresentada para aquele valor ser
depositado na conta da Sra. IZA.”.
Efetivamente,
analisando-se de forma cuidadosa a prova careada aos autos, observa-se a
completa ausência de observância dos requisitos essenciais para o
desenvolvimento válido e regular do suposto procedimento apuratório
administrativo, os quais destacamos:
a) A portaria que
instaura o processo administrativo, instituindo a comissão responsável
por apurar a suposta falha de funcionário, não traz a indicação da lei
que regerá o procedimento e sequer foi publicada em órgão oficial;
b) O parecer conclusivo
foi elaborado pela Comissão de Inquérito Administrativo, quando, na
verdade, trata-se de atribuição de órgão jurídico da Prefeitura para
apuração da legalidade do procedimento;
c) O funcionário
investigado compareceu à audiência realizada sem o acompanhamento de
advogado ou de servidor que pudesse suprir tal ausência;
d) A decisão
administrativa que aplica a pena ao funcionário foi proferida sem o
correspondente dispositivo legal; revelando-se nula de pleno direito.
Vale mencionar, por
oportuno, que o Princípio da Publicidade é inerente ao regime
democrático e abrange toda a atuação dos entes públicos, abrangendo os
atos administrativos concluídos ou em formação.
Destarte, a sua
aplicação no Processo Administrativo Disciplinar nada mais é que uma
consequência fundamental da sua essência de conferir transparência aos
atos públicos. Tanto que a instauração de um PAD se dá através da
publicação da portaria com a designação da comissão encarregada de
proceder aos trabalhos de investigação e de apresentar um relatório
final conclusivo sobre a procedência ou não das acusações levantadas.
Assim, além das
irregularidades detectadas no suspeito Processo Administrativo, temos
que a sua publicização é ato essencial para eficácia e moralidade do
procedimento e para a transparência da atuação administrativa. Sem
publicização não fluem os prazos para impugnação administrativa ou
anulação judicial, quer o de decadência para impetração de mandado de
segurança, quer os de prescrição da ação judicial cabível.
Dessa forma, a ausência
de publicidade dos atos componentes do Processo Administrativo
Disciplinar e as demais falhas apontadas revelam que o mesmo foi forjado
pela Administração Pública Municipal para justificar o injustificável,
não possuindo o condão de refutar as demais provas apresentadas no
decorrer do processo que caracterizam a compra de voto.
À guisa de conclusão,
verifica-se que a tese trazida a lume pelas peças de bloqueio dos
investigados, no sentido de que o depósito efetuado na conta-corrente da
eleitora dias após a visita da primeira investigada à casa da família
daquela, em pleno período eleitoral, não teria passado de uma
coincidência e de um mero equívoco cometido pelo Setor de Pagamentos,
não é o que ordinariamente acontece. Vale dizer, se não é impossível de
ocorrer é com toda certeza bastante improvável.
O segundo fundamento configurado nos autos é o fim especial de agir previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97.
Alegam os Denunciados a
inexistência de dolo específico, qual seja, a intenção de com a conduta
captar ilicitamente o voto, pois na declaração acostada aos autos a
eleitora afirma que a primeira Investigada teria dito que a ajudaria
independentemente de voto.
Para justificar a
ausência de dolo, os Denunciados utilizam-se de fragmento extraído do
depoimento da eleitora (que os mesmos informam em suas alegações finais
ser testemunha suspeita e inidônea) sem levar em consideração todo o
contexto da conversa.
É que a eleitora em sua
declaração e também no seu depoimento prestado em juízo relata que a
Investigada, na visita que fez à sua família, ao pedir o voto ponderou
sobre a necessidade da mesma pensar em seus sonhos e no futuro dos seus
filhos, pois com a Representada no poder poderia alcançá-los, sem a
necessidade de humilhação. Para comprovar o quanto prometia, a informou
sobre a inclusão do seu nome na folha de pagamento da Prefeitura. A sua
alegação é confirmada através do depósito que foi feito na conta
corrente da eleitora.
No caso desse segundo
fundamento, o que se exige é que, a partir das circunstâncias do caso
concreto, seja possível inferir o especial fim de agir no tocante à
captação do voto, qual seja a pretensão de com o ato ou fato, obter o
voto, caracterizando o dolo.
Com base no conjunto
probatório, percebe-se que a visita da primeira Investigada foi efetuada
com o especial fim de captar ilicitamente voto, na medida em que houve
não somente a promessa de melhoria de vida em caso de obtenção de voto,
como também o cumprimento da promessa com a efetivação de depósito na
conta corrente da eleitora no valor de R$ 411,75 (quatrocentos e onze
reais e setenta e cinco centavos).
Dessa forma, não se
comprovou no presente caso tratar-se de mera “promessa de campanha”,
feita de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou
vincular os destinatários. Pelo contrário, trata-se de clara compra de
votos específica e endereçada a pessoa certa e determinada, qual seja a
eleitora Iza Alves da Conceição.
O depoimento da
testemunha Maria de Fátima Lima do Nascimento de fls. 155/156 comprova o
especial fim de agir adotado pela primeira Investigada, quando revela:
“Que quando a prefeita
esteve em sua casa perguntou à mesma que candidato estava apoiando, ao
que respondeu que apoiava Gena, que a prefeita disse então para a mesma
pensar bem, que a prefeita disse que se decidisse votar com a mesma que a
procurasse.”.
O terceiro fundamento
para a configuração da captação ilícita de sufrágio é a ocorrência do
fato durante o período eleitoral, conforme ratifica a jurisprudência
abaixo:
“[...]. A
caracterização da captação ilícita de sufrágio requer que a oferta ou
promessa de entrega de benefício ocorra desde o registro da candidatura
até o dia da eleição. [...].” (Ac. de 29.6.2006 no ARESPE nº 25.795,
rel. Min. Caputo Bastos.)
A incidência desse
fundamento também está demonstrada pelas provas carreadas aos autos.
Isto porque, ao contrário do quanto alegado pelos Denunciados, a visita
da primeira Investigada e o depósito da quantia em dinheiro na conta
corrente da eleitora ocorreram em pleno período eleitoral,
especificamente no mês de agosto de 2012.
Dessa forma, as provas
trazidas aos autos pelos Denunciados, sejam os documentos, sejam os
depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, não foram suficientes
para afastar a incidência dos fundamentos caracterizadores da captação
ilícita de sufrágio.
Saliente-se que as
testemunhas trazidas aos autos para comprovar a tese de defesa foram
ouvidas na condição de declarantes, pois ocupam cargos de confiança na
Prefeitura Municipal de Macururé gerida pela primeira Investigada.
Quanto ao segundo
Investigado, o Senhor Renato Soares de Moura, cabe ressaltar que se
firmou o entendimento de que para a caracterização da captação ilícita
de sufrágio não é necessária a participação direta do candidato nos atos
ilícitos, bastando a prova do seu benefício, aliada à demonstração de
sua participação indireta, mediante interposta pessoa, ou até mesmo
mediante prova de que tenha conhecimento dos fatos e consentido com a
conduta.
Nesse sentido, firmou a jurisprudência do TSE:
“Para a concretização
da infração do artigo 41-A da Lei das Eleições é desnecessário que o ato
de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo candidato,
mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja participado
de qualquer forma ou com ele consentido.” (Acórdão nº 21.264 – TSE
RESPE-28061 de 05/12/07, p. 145.).
“Recurso contra
expedição de diploma. Captação ilícita de sufrágio. Abuso do poder
econômico. Cassação de diploma. Candidata ao cargo de deputado federal.
1. Caracteriza captação ilícita de sufrágio o depósito de quantia em
dinheiro em contas-salário de inúmeros empregados de empresa de
vigilância, quando desvinculado de qualquer prestação de serviços, seja
para a própria empresa, que é administrada por cunhado da candidata,
seja para campanha eleitoral. 2. A atual jurisprudência do Tribunal não
exige a prova da participação direta, ou mesmo indireta, do candidato,
para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o
consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência do s fatos
que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que
devem ser aferidos diante do respectivo contexto fático. No caso, a
anuência, ou ciência, da candidata a toda a significativa operação de
compra de votos é fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha forte
ligação familiar, econômica e política. [...]” (Ac. de 24.8.2010 no RCED
nº 755, rel. Min. Arnaldo Versiani; no mesmo sentido o Ac. de 16.6.2009
no RO nº 2.098, rel. Min. Arnaldo Versiani.)
Por tudo exposto, resta
comprovado nos autos a ocorrência de captação ilícita de sufrágio
efetuada por ambos os Investigados contra a liberdade de voto de
eleitora do Município de Macururé, ato ilícito com reflexo direto na
lisura, normalidade e equilíbrio do processo eleitoral.
Caracterizada a
captação ilícita de sufrágio, é importante mencionar que não é
necessário ser demonstrada a potencialidade da conduta praticada pelos
Investigados, bastando uma só ocorrência de promessa ou compra de voto
para configurar o ilícito em exame. Este é o entendimento do Tribunal
Superior Eleitoral, conforme ementas a seguir transcritas:
“[...]. Cassação.
Captação ilícita de sufrágio. [...].” NE: “Ademais, para a condenação
por captação ilícita de sufrágio, basta que haja o oferecimento,
promessa ou doação de bem ou vantagem em troca do voto do eleitor, com a
participação ou anuência do candidato, não se exigindo a demonstração
da potencialidade lesiva da conduta ou da significância ou valor da
benesse oferecida." (Ac. de 6.5.2010 no AgR-AC nº 76516, rel. Min.
Marcelo Ribeiro.)
“Governador. Conduta
vedada a agente público e abuso do poder político e econômico.
Potencialidade da conduta. Influência no resultado das eleições.
Captação ilícita de sufrágio. É desnecessário que tenha influência no
resultado do Pleito. [...]. 13. Captação de sufrágio. Não é necessária a
aferição da potencialidade da conduta para influir nas eleições. 14. A
probabilidade de comprometimento da normalidade e equilíbrio da disputa é
suficiente para ensejar a cassação do diploma de quem nessas
circunstâncias foi eleito. [...].” (Ac. de 3.3.2009 no RCED nº 671, rel.
Min. Eros Grau.).
Seguindo esse mesmo entendimento, José Jairo Gomes, em sua obra “Direito Eleitoral” publicada pela Editora Atlas, 8ª edição:
“(...) cumpre ressaltar
que o bem jurídico que se visa salvaguardar é a liberdade do eleitor de
votar conforme os ditames de sua própria consciência. É a liberdade de
formar sua vontade de votar livremente, escolhendo quem bem entender
para o governo. Logo, não é necessário que o evento afete ou comprometa a
normalidade ou legitimidade das eleições, porquanto uma só ocorrência
já é bastante para configurar o ilícito em exame, sendo desnecessário
que haja desequilíbrio das eleições em seu conjunto.”
Dessa forma, no caso
presente, o bem juridicamente tutelado é a liberdade do eleitor de
formar sua vontade de votar livremente, não sendo necessário demonstrar
que o fato teve a capacidade de desequilibrar a disputa eleitoral.
Ao final, não se pode
deixar de comentar que a própria captação ilícita de sufrágio é
modalidade de abuso de poder, principalmente quando a compra do voto se
dá através do uso da máquina administrativa.
Como bem exposto por José Jairo Gomes, em sua obra supracitada:
“É intuitivo que a
máquina administrativa não possa ser colocada a serviços de candidaturas
no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação
estatal, além de desequilibrar o pleito - ferindo de morte a isonomia
que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar
o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas
ou classes sociais.”.
Haverá abuso sempre
que, em um contexto amplo, o poder for utilizado para influenciar,
condicionar ou até mesmo determinar o comportamento alheio, através de
ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis, diante
das circunstâncias que se
apresentam e, sobretudo, antes os princípios e valores existentes no ordenamento jurídico.
É necessário que a
conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso
para configurar o abuso de poder, o que ocorreu no presente caso, já que
o uso da máquina administrativa se deu em período de campanha
eleitoral, restando cabalmente demonstrado o liame com a campanha
política dos Investigados.
Quanto ao pedido de
condenação dos Investigados a ressarcir ao erário as importâncias de que
foram beneficiários, nos termos do § 7º do art. 73 da Lei 9.504/97, o
mesmo não merece ser acolhido, pois as penalidades previstas na Lei n.
8.429/92, especificamente no art. 12, III, devem ser aplicadas em
processo específico, da competência da Justiça Federal ou Estadual Comum
ou do Distrito Federal, consoante se trate de agente público da União,
de Estado, do Distrito Federal ou de Município. Cabe somente à Justiça
Eleitoral a suspensão da conduta vedada, que não se enquadra no presente
caso, e a aplicação da multa administrativo-eleitoral.
Ante o exposto, em
harmonia com o Parecer do Ministério Público Eleitoral, julgo PROCEDENTE
EM PARTE o pedido formulado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral,
PARA DETERMINAR, com fulcro no art. 41-A da Lei 9.504/1997, A CASSAÇÃO
DOS REGISTROS E DOS DIPLOMAS de Silma Eliane Adriano do Nascimento
Carvalho e Renato Soares de Moura e a APLICAÇÃO DE MULTA no valor de
cinqüenta mil UFIR, o que equivale à quantia de R$ 53.205,00 (cinquenta e
três mil e duzentos e cinco reais), para cada Investigado.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Oficie-se o Presidente
da Câmara Municipal de Macururé/BA para assunção imediata do cargo de
Prefeito até a realização de novas eleições.
Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Transitada em julgado a
presente decisão ou confirmada por órgão colegiado da Justiça
Eleitoral, ficam inelegíveis os Investigados nos termos do art. 1º, I,
“j”, da LC 64/90.
Certificado o trânsito em julgado, arquive-se após as anotações devidas.
De Paulo Afonso para Chorrochó/BA, 22 de maio de 2013.
CLÁUDIO SANTOS PANTOJA SOBRINHO
JUIZ ELEITORAL
PROCESSO Nº 322-67.2012.6.05.0158
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO “UNIDOS PARA O PROGRESSO”
Fonte: Ozildo Alves
Fonte: Ozildo Alves
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