quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas

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Nos últimos 20 anos, a conjugação entre a vontade política dos governantes e as forças da sociedade civil resultou na criação de muitos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Em geral, esses órgãos foram instituídos por decretos ou leis de iniciativa do Poder Executivo. Alguns surgiram por obrigatoriedade prevista na legislação federal, como a LOAS, o ECA e o SUS, que definem diferentes competências para os Estados e os Municípios.

A lei que cria os Conselhos também define quem deles participa. Em geral, sua composição é orientada pelo princípio da paridade. Este princípio está associado à idéia de que os Conselhos são espaços de gestão compartilhada. Ou seja, a definição das políticas públicas é de responsabilidade conjunta do governo e da sociedade civil. Paridade é uma forma de garantir a representação de diferentes segmentos sociais. Ela expressa as forças políticas envolvidas na gestão das políticas públicas em cada Conselho.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e o Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS) têm sua paridade estabelecida em 50% de representantes do governo e 50% de organizações da sociedade civil. Já os Conselhos de Saúde têm outro tipo de paridade, definida por lei federal. Sua composição deve ter 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de representantes de governo prestadores de serviços privados ou conveniados.

A lei que institui cada Conselho também define se ele é consultivo ou deliberativo. Os consultivos emitem pareceres ou opiniões sobre determinada ação do governo e não têm poder de decisão sobre a diretriz da política em questão. Já os Conselhos deliberativos são órgãos de decisão, ou seja, têm autoridade para analisar, intervir e propor ações em determinada política setorial.

O funcionamento e a organização de cada Conselho Gestor de Política Pública podem ser definidos tanto na lei que o criou como em seu regimento interno. Em geral, os Conselhos Municipais se organizam em plenárias, comissões, secretaria executiva e audiências públicas.

Papéis e atribuições dos Conselhos Municipais de Políticas Públicas

Os canais de participação compostos pelo governo e pela sociedade civil, como os Conselhos e o Orçamento Participativo, são formas democráticas de elaborar e executar as ações públicas. Trata-se de uma conquista importante, pois a participação de cidadãos na definição de políticas permite o exercício do controle social.

O controle social sobre as políticas públicas significa o acompanhamento mais direto da população nas decisões sobre as prioridades governamentais para os diferentes setores da sociedade, e também a fiscalização das políticas implementadas. Estas são as competências gerais dos Conselhos, que devem estar detalhadas nas respectivas leis instituidoras ou nos regimentos internos. A participação na definição de prioridades inclui a discussão da agenda, a proposição de políticas e programas sociais, e a aprovação de planos estratégicos. A fiscalização envolve o controle financeiro e a qualidade das políticas implementadas.

Há também atribuições que são específicas. Por exemplo, o Conselho Municipal de Assistência Social deve regulamentar a prestação de serviços de natureza pública e privada, em sua área de atuação, e controlar o Fundo Municipal de Assistência Social. No caso do Conselho Municipal da Pessoa Deficiente, se prevê também o recebimento de denúncia de ocorrências envolvendo práticas discriminatórias, bem como o treinamento de servidores públicos para combater essas práticas.

Os Conselhos funcionam como órgãos de co-gestão entre sociedade civil e Estado. Do ponto de vista da sociedade civil, constituem espaços de representação de grupos sociais, como usuários dos serviços públicos, profissionais, sindicatos, organizações que prestam atendimento à população etc. Os integrantes desses grupos, quando investidos da condição de conselheiro, tornam-se responsáveis por trazer as opiniões e reivindicações dos setores que representam. Mas eles também têm que fazer o caminho inverso, ou seja, levar aos grupos que representam as informações, debates e decisões tomadas nos Conselhos.

Os representantes do governo, por sua vez, têm a responsabilidade de trazer as propostas da Prefeitura para a temática em questão, dar informações que auxiliem os demais conselheiros a tomar decisões. Da mesma forma que os conselheiros da sociedade civil, devem estabelecer um retorno aos funcionários do governo. Forma-se, assim, um caminho de mão dupla da representação política, fundamental para a vitalidade e democratização dos espaços de participação.

Esse processo tem sido prejudicado pela dificuldade dos Conselhos se articularem entre si e com outros setores do governo e da sociedade civil. A articulação entre os diversos canais de participação existentes na cidade, como o Orçamento Participativo e os fóruns regionais, poderia permitir que as ações da administração pública fossem elaboradas de maneira mais ampla e menos fragmentada. É um desafio que é preciso assumir, após 20 anos de experiência dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas.

Os problemas da representatividade e da articulação

Apesar dos Conselhos Gestores terem conquistado espaço de participação popular no cenário político brasileiro, ainda temos grandes desafios: a representatividade dos conselheiros, a articulação entre os Conselhos, e o exercício da deliberação.

Na organização dos Conselhos, cada conselheiro é representante de um grupo que tem interesse na política em discussão – usuários, trabalhadores, setores do governo etc. Os conselhos são órgãos paritários, que procuram compor as diferentes visões de cada grupo. Mas nem sempre essa composição ocorre de forma adequada, deixando-se de representar setores da sociedade ou do governo relevantes para o tema em questão. Isso pode resultar na falta de legitimidade das decisões. O problema da representatividade relaciona-se também com a escolha dos conselheiros. A seleção dos representantes pelo governo deve incluir as principais secretarias envolvidas com o tema. Deve, ainda, indicar pessoas capazes de expor a visão do governo com clareza e de ouvir as propostas da sociedade civil.

Os conselheiros da sociedade civil, por sua vez, precisam representar os diversos segmentos da sociedade. Em uma sociedade democrática, é importante que isso ocorra de forma plural, evitando-se que os Conselhos se tornem espaço para a defesa de interesses corporativos. Além disso, devem atuar como ponte entre o Conselho e seu grupo de origem, a base que representam. Os problemas de sua comunidade devem ser levados ao Conselho, e as decisões deste têm que ser comunicadas à base. O grau de confiança no espaço do Conselho aumenta quando esse processo de ida e volta de informações e decisões é transparente. Para isso, a criação de canais de comunicação é fundamental.

É comum que uma pessoa represente certo grupo em diversos Conselhos e noutros espaços de participação. O desafio dos movimentos sociais é multiplicar o número dessas lideranças da sociedade civil. Sabemos que o tempo para a formação de uma liderança é longo. Ninguém nasce conselheiro, mas aprende a exercer suas atribuições por meio da atuação política. A política traz aprendizados, ensina a compreender problemas, soluções e a reconhecer os diversos interesses envolvidos.

Um segundo desafio importante é a articulação. O conselheiro precisa ser capaz de ver as diversas forças em disputa, assim como identificar as secretarias que elaboram as políticas públicas. A maior integração entre os Conselhos, e entre esses e os demais espaços de participação popular como o Orçamento Participativo, poderia contribuir para otimizar as ações do governo. Os representantes do governo também podem contribuir, articulando as várias secretarias e outros órgãos do Poder Executivo não representados no Conselho.

Já os conselheiros da sociedade civil podem investir na articulação dos fóruns regionais, redes e outros espaços de discussão política. Alguns Conselhos organizam comissões que trazem conhecimentos de fóruns, universidades, ONGs. Aprimorar esses mecanismos pode ser uma forma de articular diversas visões de uma mesma questão. Por fim, também seria rico o maior diálogo com o Poder Legislativo. Os conselheiros poderiam, por exemplo, participar das comissões temáticas da Câmara de Vereadores, nas quais se discutem os projetos de lei.

Desafios para efetivar as deliberações

Após alguns anos de existência dos Conselhos Gestores, podemos nos perguntar quais foram os ganhos com essa experiência nos três níveis de governo, federal, estadual e municipal. Será que eles exercem, de fato, o controle social das políticas públicas? As propostas que a sociedade civil leva para o Conselho têm o mesmo peso que as do governo?

Várias questões inquietam as pessoas que acreditam nos Conselhos como espaço de partilha do poder. A luta pela paridade garantiu, em alguns casos, a representação dos diferentes grupos sociais, do ponto de vista numérico. Mas as condições de participação e decisão são as mesmas para todos os conselheiros? O problema tem a ver com um elemento essencial dos Conselhos, o caráter deliberativo. A tomada de decisão por parte dos conselheiros é a forma mais concreta de apresentar seus resultados à população. E configura o exercício máximo de poder. Mas há várias condições para que as decisões do Conselho possam expressar uma negociação de “igual para igual”.

O direito à informação é uma condição fundamental para que os conselheiros possam avaliar o tema em debate e fazer propostas. Um dos papéis dos conselheiros de governo é subsidiar o processo de negociação com informações e transmiti-las de forma clara. O uso de termos técnicos é, muitas vezes, obstáculo para o entendimento.

Além disso, o tempo de discussão deve ser suficiente para que os conselheiros da sociedade civil discutam com o segmento que representam. Só um debate amplo pode permitir que sua decisão expresse a vontade da comunidade. Por isso, muitos conselheiros alegam que a pressa para aprovar determinados projetos vindos do governo atropela o processo de discussão com a base. A falta de discussão dos conselheiros com a base esvazia o caráter deliberativo do Conselho, que corre o risco de apenas aprovar projetos do governo. Este problema está relacionado ao controle da pauta das discussões. Nos Conselhos paritários a agenda de reuniões acaba sendo definida pelos representantes do governo.

Existe uma questão de fundo sobre a possibilidade dos Conselhos exercerem seu papel deliberativo: a autonomia dos conselheiros da sociedade civil em relação ao governo. Fatores como gastos com transporte para participar de reuniões e infra-estrutura adequada – telefone, computador etc – precisam ser garantidos para que os conselheiros possam exercer suas atribuições. Igualmente importante é a contratação de assessorias especializadas que os auxiliem em assuntos técnicos. Essas assessorias são necessárias tanto para a melhor formulação de políticas públicas, como para o controle dos gastos realizados pelo governo. A conquista dessas condições reduziria desigualdades no acesso às informações e ao conhecimento técnico. A maior qualificação da estrutura física e humana dos Conselhos Gestores contribuiria para a efetiva realização do controle social.

Escola da Cidadania, 2008

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