É o que revela a pesquisa realizada por José Antonio Cardoso Fonseca, secretário-executivo do Conselho de Cidadãos de Maués (Concima) e do Instituto Amazônico da Cidadania (IACi) que compõem a Rede Amarribo/IFC. O estudo foi desenvolvido como Trabalho de Conclusão do curso de Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em julho de 2009, com o intuito de evidenciar o impacto negativo que a má aplicação dos recursos provenientes desses convênios gera sobre o turismo das cidades e dos níveis da qualidade de vida dos moradores. Foi devido ao voluntarismo prestado às duas ONGs, que Antonio Fonseca decidiu esmiuçar os relatórios anuais divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU) com os dados relativos às cidades do Amazonas, obtendo assim um ranking com os valores e números de convênios que apresentam irregularidades.
Ao analisar os dados da (CGU) relativos às Tomada de Contas Especiais (TCEs), a pesquisa identificou que há 280 convênios federais irregulares em 60 prefeituras das cidades do Amazonas que, em valores corrigidos até junho de 2009, superam o valor de R$ 65 milhões (ver tabela 1). Isto permite dizer que, impressionantes 96,77% das cidades do Estado possuem convênios que apresentam algum tipo de irregularidade comprovada pela Controladoria, divulgados em seus relatórios desde 2002 (tabela 2). São investimentos que deveriam ser realizados em todas as áreas, desde as mais básicas como saúde, educação, habitação, esgotamento sanitário e tratamento de resíduos sólidos, como as mais diretamente ligadas ao aspecto turístico dessas cidades como construção de centros culturais, orlas fluviais e portos, apenas para ilustrar alguns desses convênios. De forma geral, os números relativos a TCEs têm crescido consideravelmente, atingindo quase a totalidade dos municípios do Estado, ainda que a CGU tenha visitado apenas 24 dessas cidades ou pouco mais de um terço do total.
Valores e TCEs instauradas contra as prefeituras do Amazonas
Ano | N° de TCEs | N° de Prefeituras | Valor R$ |
2002 | 30 | 21 | 5.766.536,43 |
2003 | 46 | 26 | 8.107.215,76 |
2004 | 35 | 25 | 6.459.765,93 |
2005 | 46 | 27 | 6.923.513,46 |
2006 | 30 | 24 | 5.972.334,80 |
2007 | 40 | 23 | 8.594.073,43 |
2008 | 38 | 24 | 17.415.875,91 |
2009* | 15 | 12 | 6.731.805,99 |
Total | 280 | 60 | 65.971.121,71 |
Tabela 1: total de TCEs instauradas no Amazonas e valores até junho de 2009*
Fonte: CGU Organização: José Antonio Cardoso Fonseca
Convém salientar que a grande maioria das TCEs instauradas é proveniente de fiscalização realizada pela CGU em visitas a 24 municípios, por meio do Programa de Fiscalização a Partir de Sorteios Públicos, desenvolvido pelo órgão desde 2003. Essas visitas de fiscalização foram realizadas, portanto, em menos da metade do total de municípios do Estado, o que nos leva a conjecturar que a incidência de irregularidades alcance um número bem maior de cidades e valores ainda mais expressivos. Chama a atenção também, o grande número de prefeituras que incorrem na prática ilegal da omissão do dever de prestar contas, não apresentando a documentação obrigatória da correta aplicação dos recursos, isso se deve à certeza hoje em voga que, apesar de todas as leis existentes, é muito raro o agente público que exerce cargo eletivo seja efetivamente punido, tanto com relação a sanções eleitorais como financeiras. Vale lembrar que muitos desses políticos, apesar de condenados, continuam a se candidatar, se eleger e reincidir em práticas que vão de encontro ao bom e regular exercício do poder.
Ranking dos municípios do Amazonas em TCEs
Posição | Cidade | N° de TCEs | Valor R$* |
1º | Nova Olinda do Norte | 21 | 7.303.817,48 |
2º | Tefé | 15 | 4.327.086,96 |
3º | Presidente Figueiredo | 02 | 3.854.984,93 |
4º | Santo Antonio do Içá | 05 | 3.724.204,65 |
5º | São Gabriel da Cachoeira | 05 | 3.401.226,14 |
6º | São Paulo de Olivença | 07 | 3.003.636,54 |
7º | Fonte Boa | 04 | 2.697.414,14 |
8º | Autazes | 10 | 2.419.394,08 |
9º | Manaquiri | 18 | 2.119.208,62 |
10º | Japurá | 06 | 1.973.621,56 |
11º | Itamarati | 09 | 1.856.256,39 |
12º | Boa Vista do Ramos | 05 | 1.684.685,32 |
13º | Tabatinga | 12 | 1.518.818,86 |
14º | Eirunepé | 07 | 1.513.346,60 |
15º | Boca do Acre | 08 | 1.481.441,43 |
16º | Maués | 05 | 1.178.272,24 |
17º | Canutama | 06 | 1.152.011,78 |
18º | Itacoatiara | 06 | 1.133.042,81 |
19º | Ipixuna | 04 | 1.071.108,74 |
20º | Iranduba | 10 | 1.046.023,38 |
21º | Barcelos | 06 | 940.217,34 |
22º | Jutaí | 03 | 896.113,50 |
23º | Urucará | 02 | 875.579,81 |
24º | Novo Airão | 03 | 863.253,30 |
25º | Parintins | 03 | 821.685,08 |
26º | Urucurituba | 06 | 818.451,20 |
27º | Tapauá | 03 | 797.506,48 |
28º | Manacapuru | 04 | 755.810,53 |
29º | Manicoré | 02 | 755.676,27 |
30º | Atalaia do Norte | 06 | 669.818,43 |
31º | Coari | 04 | 636.625,08 |
32º | Beruri | 06 | 629.135,84 |
33º | Apuí | 04 | 598.308,18 |
34º | Uarini | 04 | 587.578,07 |
35º | Santa Izabel do Rio Negro | 03 | 533.114,74 |
36º | Itapiranga | 09 | 515.389,88 |
37º | Maraã | 03 | 471.441,69 |
38º | Careiro | 02 | 393.236,34 |
39º | Manaus | 02 | 352.913,35 |
40º | Guajará | 01 | 351.042,83 |
41º | Borba | 07 | 327.743,86 |
42º | Pauini | 04 | 316.423,24 |
43º | São Sebastião do Uatumã | 02 | 271.300,79 |
44º | Alvarães | 03 | 261.215,57 |
45º | Barreirinha | 01 | 252.467,73 |
46º | Benjamin Constant | 01 | 206.912,11 |
47º | Careiro da Várzea | 01 | 205.595,34 |
48º | Caapiranga | 04 | 197.267,60 |
49º | Lábrea | 02 | 187.723,74 |
50º | Envira | 02 | 187.369,60 |
51º | Tonantins | 02 | 141.991,74 |
52º | Juruá | 02 | 118.671,40 |
53º | Carauari | 01 | 110.616,47 |
54º | Nhamundá | 01 | 96.107,38 |
55º | Silves | 01 | 72.669,81 |
56º | Codajás | 01 | 61.114,58 |
57º | Rio Preto da Eva | 01 | 58.506,00 |
58º | Amaturá | 01 | 41.863,08 |
59º | Humaitá | 01 | 36.437,70 |
60º | Novo Aripuanã | 01 | 30.342,16 |
Tabela 2: ranking em valores e TCEs *Valores atualizados até 30 de junho/2009
Fonte: CGU Organização: José Antonio Cardoso Fonseca
Sob a orientação da doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB), professora Lileane Praia Portela de Aguiar, o estudo fez ainda uma correlação entre os altos níveis de corrupção nessas cidades e os baixos níveis de desenvolvimento social, tendo como parâmetros o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) e o Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF), já que as cidades do Amazonas figuram entre as mais pobres do Brasil.
Segundo o estudo de Fonseca, atualmente, observa-se que há certa permissividade da sociedade com relação a práticas corruptas oriunda da banalização da corrupção em nosso país. São tantos os casos que se sucedem na mídia a cada dia, que o cidadão já não se indigna mais. Pelo menos da forma que deveria. Já nos acostumamos com as falcatruas praticadas em todos os níveis, em todos os poderes e a reação social tem sido muito tímida, insuficiente. Com a facilitação de acesso às informações, incentivada principalmente pela popularização da Internet, deveria haver um significativo aumento no crescimento da participação do cidadão no efetivo acompanhamento da aplicação dos recursos públicos. No entanto, não é o que tem acontecido no Amazonas, onde a participação da população é ínfima, explicada em parte, em virtude da ausência dos órgãos públicos oficiais de fiscalização nessas cidades do interior. Existe um enorme vazio entre o cidadão e as instituições. Reclamar torna-se algo arriscado demais, não há ambiente favorável para o exercício da cidadania, onde perguntar acerca da aplicação dos recursos públicos é uma ação difícil, e as informações que são de interesse público, são tratadas como informações privadas. Não raro, os cidadãos empenhados no controle social sofrem retaliações por parte do executivo municipal, como o fato acontecido com os membros do Conselho de Cidadãos de Maués em 2006, quando alguns de seus membros, professores da rede municipal de ensino, foram transferidos por determinação do chefe do executivo da época, para as mais distantes comunidades rurais. Esse tipo de retaliação é muito comum nas pequenas cidades como forma de desarticulação desses movimentos.
Desenvolver o turismo nas cidades do Amazonas não é tarefa fácil, desenvolvê-lo com tanto recurso desviado e obras não concluídas chega próximo do impossível. Definitivamente, visitação turística e cidades sem equipamentos urbanos adequados e infraestrutura básica não combinam. Nem para o morador, muito menos para o visitante, que jamais se sentirá atraído ou motivado de conhecer tais destinos.
Finalmente, o esforço desenvolvido na pesquisa visa, também, chamar a atenção das instituições de ensino, autoridades públicas, órgãos fiscalizadores, associações, imprensa e os cidadãos dos municípios estudados, para os alarmantes índices de irregularidades e a falta de cuidado no trato com o dinheiro público, além de aclarar os mecanismos e instrumentos para a fiscalização popular desses recursos. Cidadãos esses que, ao exercerem a sua cidadania, contribuem para a construção de um país mais democrático e justo, além de cidades mais desenvolvidas e sustentáveis. O trabalho constitui o início de uma pesquisa que poderá abrir caminho para vários estudos sobre a questão colocada, contribuindo de forma significativa para entender o impacto da corrupção sobre a gestão das cidades e a concepção de estratégias de enfrentamento pelos órgãos fiscalizadores e cidadãos.
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