Crimes na Administração Pública e contra ela
Por Daniel Agostini
A Lei 8.429/92 veio ao amparo dos mais profundos anseios sócio-institucionais, impondo a probidade na Administração Pública e administração pública, extirpando de nossas entranhas sociais a corrupção e o uso dos recursos do povo para proveito próprio. Como dizia Hely Lopes Meirelles, referimo-nos à Administração Pública — com letras iniciais maiúsculas — para se referir a entidades e órgãos da estrutura estatal e referimo-nos à administração pública – para se referir à atividade e função de administração dessa estrutura.
Assim é que se discutiu (ADI 2797; Reclamação 2138 e Petição 3923, todas do Supremo Tribunal Federal) e muito ainda se discute sobre a submissão à Lei da Improbidade Administrativa (a quem se destina a Lei!) e sobre a competência para a aplicação de suas punições, especialmente relevante neste momento, eis que pende ação dessas contra a Governadora Yeda Crusius e todos aguardamos ansiosos por saber se o Juiz se dará por competente para suspendê-la do cargo — em havendo necessidade, ou remeterá o processo ao Superior Tribunal de Justiça.
Acredito que a discussão quanto a nova lei se dá em virtude de uma confusão no início dos postulados. Esquecem-se os contendores que há diferença ontológica em atos na administração pública e de atos contra a Administração Pública. Nesse sentido, são crimes de responsabilidade todos aqueles atos, tipificados em regramento especial (Lei 1.079/50 e Decreto 201/67, por exemplo), que dizem respeito à condução dos interesses do Governo, da Nação, do Povo, configurando propriamente os atos praticados por agentes políticos, mas sempre visando o destino a ser dado no andar do Governo. Tais crimes — erros grosseiros ou violações a postulados básicos impostos pelo nosso ordenamento nessa condução — somente os pares ou o Poder oposto poderá julgar crimes de responsabilidade que são.
Diferentemente de atos políticos de governo, temos no ordenamento jurídico os atos contra a Administração Pública, tendente a surripiar dinheiro da mesma (de nós cidadãos), produzindo enriquecimento ilícito e que podem ser cometidos por qualquer um. Desde o funcionário do mais baixo calão, até o governante eleito pelo povo, estes atos sim regulados pela Lei 8.429/92.
Ocorre que os Governantes são aqueles que estão na função mais privilegiada para vilipendiar o dinheiro público, eis que não só estão dentro e na hierarquia da estrutura, como via de regra estão em situação de implícita e forte persuasão de Poder (o chamado “tráfico de influência” — que torna ridículo os ganhos em contracheque dos Governantes).
Assim, deve-se fazer a diferenciação entre uma e outra modalidade, sendo certo que cabe ao juiz, sim, a possibilidade de, com base na Lei 8.429/92, suspender, se for o caso, os direitos políticos de qualquer governante — se outra norma hierarquicamente não dispuser o contrário (no caso do Presidente da república, por exemplo, a Constituição somente permite a suspensão, por crime comum, pelo Supremo Tribunal Federal; por crime de responsabilidade, pelo Senado Federal, não permitindo nenhuma outra responsabilização no curso do mandato — artigo 86, CF).
, tirando o Presidente da República, qualquer ato de Ministro de Estado, de Governador, Prefeito, Procuradores, de Magistrado, ou qualquer agente político ou público, de qualquer categoria, dos mais baixos aos mais altos, mas sempre tendentes ao enriquecimento ilícito em detrimento do povo (contra a Administração Pública), é passível de admoestação, pelo Poder Judiciário, em qualquer de suas instâncias, porque nem a legitimação por sufrágio universal (eleição para o cargo) dá legitimidade ao Governante para tal vilipendiação.
Não elegemos Governantes para roubar-nos, mas para abnegar-se a nós e no momento em que violam o mandato que lhe outorgamos, assiste direito ao órgão jurisdicional — qualquer que seja, eis que todos partícipes de uma unidade apenas distribuídas e estratificadas para fins de melhor administração — o poder de reconhecer a ilegitimidade do mandato. Se o legislador veio em socorro do Povo, somos nós que iremos contra?
Daniel Agostini é advogado no Rio Grande do Sul
Revista Consultor Jurídico
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