quarta-feira, 24 de março de 2010

STF não cumpre meta de redução de processos encalhados Congestionamento da Corte inclui 16,6% de processos anteriores a 2006

Ao longo dos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça, órgão regulador e disciplinador do poder Judiciário brasileiro, tem agido fortemente no sentido de modernizar os nossos tribunais.

O CNJ tem pressionado os Tribunais de Justiça a se informatizarem, tem estabelecido normas para o registro de processos (o que parece ser uma medida meramente burocrática, mas com importantes consequências para a possibilidade de acompanhamento de feitos judiciais) e tem definido metas para tentar reduzir a pavorosa lentidão das cortes brasileiras.

No balanço geral, o CNJ tem prestado um bom serviço.

Um dos objetivos que o CNJ definiu em 2008 para o ano de 2009 foi que os tribunais identificassem processos autuados até 31 de dezembro de 2005 e tomassem providências para resolvê-los todos. É a famosa Meta nº 2 do CNJ.

A própria formulação da meta indica que, ao menos para alguns tribunais, deve haver dificuldades para identificar tais processos. Como essas cortes mais atrasadas não são adequadamente informatizadas, seus processos são registrados apenas em papel, como no século 19, o que torna a identificação dos atrasados algo problemático. Nesses tribunais, gasta-se dinheiro com automóveis para desembargadores, remuneração de cargos de confiança para cupinchas diversos, contratação de relações públicas, construção de prédios caros e assim por diante, e menos com a prestação jurisdicional propriamente dita.

A meta do CNJ tampouco definiu um prazo para que os processos anteriores a 2006 fossem finalizados, mas apenas que "providências" fossem tomadas para isso.

As metas abrangem explicitamente as Cortes superiores, entre elas o Supremo Tribunal Federal.

O fato de o presidente do CNJ ser o presidente do STF situa este último em situação especial em relação ao cumprimento das metas gerais para o Judiciário. Todo mundo espera que o STF dê o exemplo.

Em suas manifestações recentes, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, tem procurado mostrar que o STF cumpriu a sua parte, que deu esse exemplo. Em particular, no que tange a Meta nº 2, Mendes tem declarado que o congestionamento do STF (ou seja, o número de processos abertos) referente a processos autuados até 31 de dezembro de 2005 seria hoje de apenas 1.481 processos.

É claro que o presidente do STF não levanta pessoalmente as estatísticas do Tribunal. Para isso existem estruturas internas, como departamentos administrativos e os gabinetes dos diversos ministros.

Acontece que alguém está informando mal o ministro-presidente.

Não é verdade que o congestionamento pré-2006 do STF inclua apenas 1.481 processos.

Conforme mostra o projeto Meritíssimos, da Transparência Brasil, em que se examinam exaustivamente todos os processos que tramitam ou tramitaram no STF desdde 1997, o número total de processos autuados entre jan.1997 e dez.2005 e que permaneciam abertos até 11 de março de 2010 é de 13.232, o que corresponde a 16,6% do total de 79.582 processos a serem finalizados na Corte.

Ou seja, o STF ficou muito longe de cumprir a Meta nº 2 do CNJ.

A tabela seguinte relaciona os processos desse tipo conforme o ano de autuação e o ministro responsável.

Ministro

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Total

Carlos Britto

17

23

45

63

73

133

240

296

510

1400

Carlos Velloso






1

1

3


5

Cármen Lúcia

8

7

24

22

31

100

173

196

308

869

Celso de Mello

10

28

41

27

32

88

136

167

212

741

Cezar Peluso

23

49

39

58

69

86

109

164

260

857

Dias Toffoli

43

72

71

107

163

282

312

451

698

2199

Ellen Gracie

11

16

22

43

42

127

151

215

300

927

Eros Grau

5

15

13

14

20

58

60

80

128

393

Gilmar Mendes

2

7

9

3

3

4

16

10

21

75

Joaquim Barbosa

46

89

113

150

117

282

344

569

904

2614

Marco Aurélio

14

21

33

51

68

232

405

683

876

2383

Menezes Direito

1

1

2

2


9

43

70

27

155

Nelson Jobim






1




1

Ricardo Lewandowski

8

16

16

17

23

67

98

172

195

612

Sepúlveda Pertence









1

1

Total

188

344

428

557

641

1470

2088

3076

4440

13232

Grande parte do congestionamento é devido aos dois ministros mais lentos do Tribunal, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio.

Sozinhos, esses dois ministros respondem por 38% do total de processos atrasados.

(Quanto a Dias Toffoli, acabou de chegar ao Tribunal e herdou os processos que estavam com o ex-ministro Menezes Direito, morto no ano passado, de modo que, por enquanto, atrasos não podem realmente ser atribuídos a ele.)

Notem-se algumas curiosidades:

  1. Há processos ainda registrados como de responsabilidade de ministros já aposentados (Carlos Velloso, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence). Alguns desses estão nessa situação porque permanecem à espera da lavratura de acórdãos por parte de outros ministros. Há dois, porém, que estão meramente abertos sem maiores explicações.
  2. Há 155 processos abertos antes de 2006 ainda oficialmente nas mãos de Menezes Direito. Claramente, tais processos deveriam ter sido redistribuídos, mas não foram. Permanecem, portanto, num limbo.

Veja mais no Meritíssimos.

Acompanhe o desempenho dos ministros do Supremo Tribunal Federal no projeto Meritíssimos. Quem mais demora e quem é mais eficiente na resolução de processos, quem tem os melhores indicadores. Pela primeira vez, a percepção de lentidão do Judiciário é explicada com mensurações objetivas. Aqui.

Consulte sempre o projeto Excelências, que traz informações aprofundadas sobre os 2.368 integrantes de todas as principais Casas legislativas brasileiras: processos na Justiça, doações eleitorais, como gastam o dinheiro que recebem e muito mais. Aqui.

Visite todos os dias o projeto Deu no Jornal, que traz o noticiário sobre corrupção e controle publicado em jornais e revistas de todo o país. Aqui.

Acostume-se a consultar o projeto Às Claras, que traz informações sobre quem paga quem em eleições. Aqui.

Acompanhe a Transparência Brasil no Twitter. Aqui.

Transparência Brasil.

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